terça-feira, 13 de abril de 2010

Ética no Mundo


A Noruega é um dos líderes mundiais em transparência: lá a corrupção é quase inexistente. Não obstante, a legislação anticorrupção é reduzida. A causa encontra-se nos valores sociais predominantes. Um corrupto seria duramente excluído pela sua família, vizinhos e círculos sociais. A Finlândia tem a taxa de presos mais baixa da Europa e, ao mesmo tempo, o menor número de policiais per capita do continente. A prevenção da criminalidade está na cultura de valores, no acesso a oportunidades e no sistema de "prisões abertas", que reabilitam efetivamente. A Suécia quase erradicou a discriminação do gênero. Uma opinião pública que considera a igualdade dos sexos um ponto de princípio constantemente pressiona para mais avanços. O Canadá tem um dos sistemas de saúde de melhor qualidade do planeta e totalmente inclusivo. A população não aceitaria nada diferente: considera o acesso a uma saúde de boa qualidade um direito intocável, que deve ser sempre prioridade. A Holanda, como os países nórdicos, o Canadá e outras nações líderes no social-econômico, tem altos níveis de equidade na distribuição de renda e acesso universal a educação e saúde. Nas culturas destes países predomina uma atitude de rejeição às grandes desigualdades e de apoio à equidade e à igualdade de oportunidades.




Na raiz desses sucessos está o capital social, nova descoberta das ciências do desenvolvimento. Captado nos estudos pioneiros de Putnam (Harvard), o capital social cobre pelo menos quatro dimensões: os valores éticos dominantes na sociedade, sua capacidade de associação, o grau de confiança entres os seus membros e a consciência cívica. Os resultados das medidas econométricas são conclusivos. Quanto mais capital social, mais crescimento econômico em longo prazo, menos criminalidade, mais saúde pública e mais governo democrático. A noção não pretende substituir o peso dos fatores macroeconômicos no desenvolvimento, mas sim chamar a atenção para o que se deve adicionar a esses fatores. O mero reducionismo economicista é uma visão estreita e leva a políticas ineficientes.



O vencedor do Prêmio Nobel de Economia Amartya Sen destaca: "Os valores éticos dos empresários e dos profissionais de um país (e outros atores sociais importantes) fazem parte dos seus recursos produtivos". Se são favoráveis ao investimento, honestidade, progresso tecnológico e inclusão social serão verdadeiros ativos; se, caso contrário, predominam o lucro rápido e fácil, a corrupção e a falta de escrúpulos, impedirão o avanço. Hoje em dia, a idéia foi adotada pelos principais organismos internacionais. O Banco Mundial, o Banco Interamericano de Desenvolvimento e as Nações Unidas, entre outros, criaram áreas dedicadas a promover o capital social.



Numa América Latina com enorme potencial, mas oprimida por gravíssimos problemas sociais, devia-se prestar mais atenção a estes fatores. A Unicef diz que morrem anualmente na região 500 mil crianças por causas previsíveis, e mais de 95 milhões são pobres. Quase 60% das crianças latino-americanas estão abaixo da linha de pobreza. Entre as causas pelas quais países potencialmente tão ricos têm tanta pobreza coincide destacar os déficit éticos e o feito de que este é o continente mais desigual de todo o planeta, regressivo para o progresso econômico e social.



O capital social pode ajudar. Expressa-se em formas muito concretas, que é preciso fortalecer, e pode desempenhar um papel muito importante. Uma delas é o voluntariado. Em vários países desenvolvidos o voluntariado gera mais de 5% do Produto Bruto em bens e serviços sociais, ajudando a outros. Ora, a materialização do capital social é a responsabilidade social empresarial. Nos Estados Unidos é crescente a pressão pública neste sentido e vem surgindo uma intenção de criar, junto aos indicadores de qualidade típicos, um ISO de qualidade social que permita aos investidores elegerem empresas que a pratiquem. Na França, os fundos éticos se difundem crescentemente e a Associação Cristã Ética e Investimentos pede para que invistam em empresas que se destacam nos valores como direitos humanos, respeito e desenvolvimento da pessoa e investimentos construtivos nos países em desenvolvimento. Na América Latina sente-se uma alta expectativa sobre este tema. Pesquisa recente feita na Argentina detectou-se que 86,5% dos consumidores dizem que a responsabilidade social pesa ao definir suas compras; 52,6% estão dispostos a pagar mais pelos produtos de empresas socialmente responsáveis, e 77%, a deixar de comprar as mercadorias das irresponsáveis.



Entre outras expressões do capital social está o aumento da participação cidadã e o fortalecimento das organizações dos pobres, como sugere o estudo recente do Banco Mundial "Vozes dos Pobres", dando a eles oportunidades produtivas e ajudando decididamente a se capacitarem.



Uma combinação de políticas públicas transparentes, livres de toda corrupção, com gerência de primeira qualidade, que garanta a toda a população, como corresponde numa sociedade democrática, seus direitos a alimentação, saúde, educação e trabalho, e um capital social mobilizado que a complemente, desencadeando círculos virtuosos no país e na região.



Será possível? Os céticos afirmam que é difícil nas nossas sociedades. Não obstante, quando observamos a imponente explosão de condutas solidárias em diversos países na América Latina de hoje, entre eles a grande resposta solidária ao programa Fome Zero, no Brasil, pode-se afirmar que está a salvo o mais importante - o respeito na base da sociedade ao mandato bíblico pelo qual somos responsáveis uns pelos outros e que a indiferença frente ao sofrimento alheio é indigna. Desenvolvendo este contrato ético é possível avançar para construir uma sociedade de qualidade.



Bernardo Kliksberg é sociólogo e dirige a Iniciativa Interamericana de Capital Social, Ética e Desenvolvimento do BID. É autor, entre outras obras, de "Falácias e mitos do desenvolvimento social" (UNESCO, Cortez, 2002).



Este artigo foi publicado no jornal "Valor Econômico" no dia 30 de junho de 2003.



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